Páginas

quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

Lembranças de Natal

Lembranças, doces lembranças. Não me lembro de neve, casacos pesados, presentes caros. Não me lembro de suculentas ceias à meia noite, tampouco presentes embaixo de uma árvore enorme e iluminada, com reluzente estrela no topo. As lembranças que tenho são de um Natal[1] tropical.

Nelas, meu pai cedendo a minhas súplicas chorosas por um pinheiro de verdade – sendo ele pequeno a ponto de se acomodar no canto da sala ou apenas um galho carregado de pinhas, representando um todo. Ah, aquele cheiro amadeirado inigualável! Só não lembro, mas soube por narrativa de minha mãe: dele muitas vezes a pular cercas de fazendas e se machucar todo com as folhas pontiagudas, mas não voltava para casa enquanto não carregasse aquele pedaço de natureza, tal qual campeão com seu troféu. E a maior alegria, acredito, não era manter a tradição, mas sim iluminado sorriso que de mim era irradiado. Pais. Um dia quero entender tudo isso.

Recordo de pegar todos os aparatos pertinentes a essa mesma árvore (bolinhas coloridas, pisca-pisca, enfeites dos mais variados) que ficavam em cima do guarda-roupa – para ser bem sincera eu gostaria de saber como cabia tanta coisa lá, tudo o que se precisava estava aguardando ser descoberto – e me deliciar por longas horas em sua decoração.

Os presentes não eram deixados em baixo da árvore, mas sim desfrutada de entrega delivery na noite da véspera pelo próprio papai, digo, Papai Noel. Engraçado que ele sempre sumia na hora da entrega de presentes! Sr. Waldemar, que sempre foi meio magro precisava de muito enchimento para aquela barriga ora sinuosa à direita, ora à esquerda. Os presentes, simples ou não eram sempre acompanhados de Ruffles ou Pringles.

A Ceia era feita no almoço do Natal, pois minha mãe é matutina. Se deixar dorme 21:30 e acorda 6:00 todo santo dia. Arroz com passas, maionese, peru e coca-cola. Pêssego, muitas frutas, nozes, panetone, uvas. Iguarias que representam uma época especial também para minhas papilas gustativas. Nunca fomos de muito luxo, com presentes almejados ao longo de um ano inteiro e manjedouras confeccionadas artesanalmente na escola ou conforme o passo-a-passo de algum livro. Amigo da onça com presentes engraçados. Raras vezes acompanhados de parentela.

Lembranças, minhas lembranças. O que para mim mantêm essa data sendo especial até hoje tem sido esse Natal diferente que torna minha família única, diferente e especial, como a sua.

Acima de tudo, me lembro do Criador encarnado em criação, indefeso envolto em panos numa desconfortável manjedoura, sendo adorado e recebendo preciosidades longínquas. Por isso que temos o hábito de presentear no Natal. Mas parece que isso fugiu um pouco do controle.

Realizamos festas familiares, confraternizações corporativas, e amigos secretos. Essa é temporada de um mercado aquecido, sendo a principal época sazonal. Despendemos quase todos os abonos que foram gerados através de 13°, horas extras e premiações e, favor de presentes para amigos e familiares. Preocupamos-nos muito com supérfluos, gastando em nome dos ‘agradinhos’. Mas qual é a relação de tudo isso com o real sentido do Natal; não seria ele de celebrar o nascimento Daquele que veio libertar o mundo? Sinto-me cada vez mais perdida com a deturpação de nossa realidade atual, com todo esse consumismo que gera dívidas sem fim para o ano seguinte – mesmo em época de crise – e indignada com o descaso aos puros sentimentos que essa data inspira.

Quando alguém que amamos está para completar mais um ano de vida nos inquietamos devido às surpresas e presente ideal, visando apenas o sorriso largo do aniversariante e a sensação de ter acertado na escolha de tudo. Despendemos tempo e dinheiro na busca do melhor presente, cartão e os entregamos pessoalmente, junto com palavras rigorosamente selecionadas. Imagine se a pessoa em questão fosse nada mais nada menos que Jesus Cristo. Como será que nós agiríamos? Só o fato de estar com ele já seria totalmente gratificante, podendo ouvir seus ensinamentos, tocar em sua face, demonstrar nosso amor. Com certeza com nosso melhor. Tudo o que pudéssemos oferecer para ter a satisfação de receber aquele sorriso maravilhoso, um abraço caloroso, seguido de muitos beijos e expressões faciais de boas sensações. Seria maravilhoso, não seria?

O mais incrível é que ele está bem aqui, próximo a nós, e para enxergá-lo basta olhar para alguém do seu lado. Independente de quem seja foi feito à imagem e semelhança Dele. Criador refletido em criação. Assim como Ele mesmo disse: ‘se fizeres a algum dos meus pequenos, será como se tivesse feito para mim’. Presentes caros, cartões que quase fazem mais que o presente e surpresas adquiridas através de altas quantias de dinheiro são sim agradáveis de receber. Mas há algo muito mais valioso, que não tem contra indicação e com certeza que todo mundo gosta: o amor.

Como não podemos comemorar com O aniversariante, segue um desafio: surpreender os próximos, representantes deles. Se puder abraçar, beijar e expressar o quanto é importante ter essas pessoas por perto, o faça. Se for preciso arrumar em alguma fazendinha um galho de pinheiro, faça. Nenhum esforço para amar é vão.

Lembranças e mais lembranças. Que elas sejam do melhor Natal já vivido, de dentro para fora, como a expressão do espírito natalino em cada ação. Que o lado sensível do mundo ideal possa ser traduzido de forma ideal no mundo sensível.


Feliz aniversário à todos!




Monique, verão de 2008


[1] Natal, do latim natalis. Comemorado como ocasião do nascimento de Jesus, presumindo-se para tal a data de 25 de dezembro, desde meados do século IV. É marcada pela proximidade do solstício. A popularização do presépio para ilustrar o acontecimento ocorreu apenas no século VIII, por São Francisco de Assis (Larousse Cultural, volume 17, pág. 4160, 1999).

Um comentário:

Douglas Beraldo disse...

Recentemente comecei a notar algumas amizades que tenho e redescobrir a beleza de algumas delas. Muito me intrigou saber que com determinadas pessoas tenho amizades circunstanciais, quando na verdade conversamos esporadicamente, mas sempre conversas muito boas, daquelas que nos fazem crescer. Não são muitas essas pessoas em minha vida, assim como acredito não serem muitas na vida de qualquer outro indivíduo, talvez 3 ou 4.
Comecei então a chamar essas amizades de "Amizades Eternas". Por mais que me aborrecesse com elas, ainda que profundamente (e isso é muito fácil acontecer quando falamos de sentimentos extremos), eu nunca conseguí deletar completamente as pessoas da minha vida. Vira e mexe elas surgem novamente como se nada tivesse acontecido e geniosas conversas acontecem entre a gente.
Bem, a Carol é uma dessas poucas "Amizades Eternas" que assim classifiquei há poucas semanas. É estranho, talvez surreal ou bastante cósmico, mas sinto essas pessoas como anjos enviados especialmente para determinados momentos, como gnomos (desculpe a comparação) que surgem detrás de àrvores ou arbustos em meio ao silêncio e misticismo de uma floresta, te diz algumas sábias palavras e depois desaparece de repente por tempo indeterminado.
Carol, adoro você e como disse, apesar dos pesares, sinto algo diferente em nossa amizade, algo acima dessa névoa toda do mundo físico em que vivemos.
Obrigado e parabéns pelo blog!